quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Nota da agrupação Pão e Rosas sobre a Carta do EME da USP




Nós, do Grupo de Mulheres Pão e Rosas, soltamos essa nota para expressar nossa posição diante da Carta de Reivindicações redigida a partir do 2o Encontro de Mulheres Estudantes da USP. A carta será entregue à reitoria nesta quarta-feira (17), em um ato.
Assinamos criticamente a Carta, já que apresentamos alguns aportes e divergências em alguns pontos específicos. Reconhecemos a importância que teve o EME como um espaço de organização das mulheres na luta contra o machismo e a violência tão presentes na sociedade e que se reproduzem dentro da universidade. Temos acordo com vários pontos reivindicados pela carta, contudo temos algumas ressalvas.

Acreditamos que a USP têm se tornado um lugar onde a violência tem tido muito espaço. Tendo a noção que a universidade tem se mostrado, ao longo dos anos, cada vez mais fechada à população de fora (que é a população negra, pobre e trabalhadora que financia a universidade), defendemos uma abertura do campus que permita que todas e todos frequentem a USP e façam uso do seu espaço, tornando-o menos deserto, mais movimentado e, portanto, menos perigoso.

A questão do aumento da frota dos circulares, que aparece como uma reivindicação da Carta torna-se fundamental diante de um cenário onde esperar um ônibus sozinha, num ponto escuro, pode resultar num assalto, sequestro ou estupro. Porém, não podemos nos esquecer de que o busp atualmente só atende a uma parcela daquelas que frequentam a universidade: as estudantes, professoras e trabalhadoras efetivas, deixando de lado as trabalhadoras terceirizadas. Estas, que em sua maioria vivem na favela ao lado da USP, a São Remo, muitas vezes fazem o trajeto a pé até seus postos de trabalho no início da manhã, quando a USP se mostra desértica e, assim, bastante perigosa. Defendemos, portanto, que haja maior frota de circulares, mas que esses circulares atendam também às trabalhadoras terceirizadas. Pela efetivação de todas as terceirizadas sem necessidade de concurso público  Queremos de volta os circulares cinzas que não cobravam tarifa, sendo sua retirada um ataque a toda a população que não tem vinculo com a USP, mas que precisa andar pela universidade.
Vemos a importância da criação de um Centro de Referência, mas discordamos do caráter que o Encontro acabou por definir. Como escrito na Carta o Centro teria "envolvimento da comunidade universitária". Acreditamos que com essa formulação, a reivindicação deixa o centro nas mãos da reitoria, com as mulheres apenas como coadjuvantes de um processo no qual acreditamos que elas deviam ser linha de frente. As mulheres é quem deviam comandar esse Centro, que seria reconhecido pela Reitoria, e não o contrário. Isso porque deixar nas mãos da reitoria é iludir-se e pensar que ela levará até o final, de maneira consequente as nossas reivindicações, quando na verdade o que tem se provado é o contrário: Zago e os diretores em discussões sobre os recentes casos da medicina humilharam as mulheres que bravamente se colocaram, escancarado uma reitoria machista, que também é racista e homofóbica. Mesmo porque, vale lembrar que a SAS já possui um setor que seria responsável por ver casos de violência, mas desde 2009 só registrou dois casos no campus. Isso revela a falta de comprometimento da universidade com os casos de machismo que nos ocorrem cotidianamente.

O ponto que diz respeito a responsabilizar a reitoria por uma campanha contra a violência nos parece correto, porém é preciso fazer a ressalva do caráter dessa campanha. Acreditamos que, novamente, não devemos deixar nas mãos da reitoria decidir se e como será a campanha. Em última instância eles podem decidir coisas esdrúxulas, como veicular que "mulheres não devem andar sozinhas com mulheres" ou que "mulheres não devem usar roupas curtas", como já ocorreu em campanhas na UNESP. Por isso defendemos que todos os três setores que compõem a universidade, estudantes, funcionários e professores juntamente com os sindicatos, entidades estudantis e todo o movimento determinemos o conteúdo da campanha e que aí sim a reitoria se responsabilize em divulgar e nos fornecer a verba necessária. Que as mulheres sejam linha de frente numa campanha ampla contra a violência e que o movimento estudantil de conjunto tome como pauta as nossas reivindicações. É preciso ainda exigir que centros acadêmicos de nossos cursos criem uma secretaria de mulheres que, atrelados aos coletivos feministas de cada curso possam organizar-se e apurar casos de machismo não apenas em festas como também em aulas, assembleias e pelos corredores das faculdades.

Por fim, abordamos a questão da reivindicação da guarda feminina. Somos contra o aumento da frota feminina, pois acreditamos que isso cria apenas a ilusão de que com mulheres na segurança o problema da violência será sanado. Conhecemos o que a polícia brasileira faz nas favelas: muitas vezes temos policiais negros matando pobres e negros. Sabemos que a polícia é um aparato do Estado, que cumpre uma função e pouco importa se o policial será negro, mulher ou mesmo lgbt, enquanto estiver na estrutura policial irá cumprir as ordens do Estado. E nesse momento o papel que a guarda universitária vem cumprindo é semelhante ao da polícia, sendo responsável por vigiar quem faz parte do movimento e reprimindo diretamente as mobilizações. Foi a chefe de segurança Ana Lucia Pastori quem coordenou juntamente com a policia militar, a retirada dos piquetes e a repressão policial aos trabalhadores durante a greve. A guarda universitária atualmente está a serviço das ordens do reitor e não é colocando mulheres dentro desse aparato que conseguiremos sanar o problema da violência. Tampouco isolando a USP do resto da sociedade. É preciso abrir o campus, para que toda a população frequente a universidade!

Chamamos todos os estudantes, professores e funcionários juntamente com o apoio dos centros acadêmicos, DCE, SINTUSP e ADUSP a se mobilizarem numa grande campanha contra a violência dentro do campus. Tomando como exemplo os trabalhadores da USP, que se posicionaram contra os estupros ocorridos na Faculdade de Medicina. Somente a aliança entre os trabalhadores e estudantes é que pode dar uma resposta efetiva aos casos de violência dentro da universidade.


XXXXX

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